⚽️ FUTEBOL: PROCESSOS x RESULTADOS…

FUTEBOL: PROCESSOS x RESULTADOS…

 

Infelizmente, pouco se discute sobre uma chamada “cultura do futebol brasileiro” que, implicitamente, exige que todos joguem pra frente, que todos se classifiquem ou, que todos sejam campeões. Na verdade, uma cultura burra e incoerente, onde até mesmo clubes que não oferecem um mínimo de estrutura e/ou condições de trabalho, “exigem” resultados de seus treinadores, comissões técnicas e jogadores, como se estes fossem mágicos! Acreditam, ou fingem acreditar que é na motivação, na chegada de um novo treinador que fale grosso no vestiário, que as coisas vão enfim “se encaixar” e as vitórias finalmente virão…  

Então, tome troca de treinador após treinador!, numa espécie de “loteria” esperando que o próximo conserte as coisas e faça a equipe vencer para alívio da diretoria e alegria dos torcedores. Uma “Ilha da Fantasia” onde as pessoas, ao que parece, gostam de ser enganadas ou de não enxergar o óbvio! Uma cultura onde todos acham que entendem de futebol, sem levarem em consideração que “gostar” é muito diferente de “entender”. 

Costumo citar em meus cursos e palestras uma experiência marcante, na verdade, um inequívoco choque de realidade que vivenciei em 2014. Naquela ocasião, fui convidado para ser o gerente de futebol do América FC de Teófilo Otoni, cidade do nordeste de Minas Gerais, quase na divisa com a Bahia. Iríamos disputar o Módulo 2 do Campeonato Mineiro. Na verdade, uma segunda divisão, mas com um nome mais pomposo para maquiar a realidade!

Foram prometidos mundos e fundos pelo “gestor” que me convidou: “A cidade é apaixonada pelo América! Os empresários da cidade vão colocar recursos! A prefeitura também já prometeu que vai injetar recursos! Estou criando o programa de “Sócio-Torcedor do Dragão”! etc., etc…

Ok! Vamos lá!… Como exigi uma certa autonomia para gerenciar a parte técnica do Departamento de Futebol, pude indicar uma comissão técnica de excelente nível e currículo, mas já escaldado pelos anos de experiência e estudo do futebol, acertadamente, decidi que não me envolveria em questões financeiras.

Assim, iniciamos nossa pré-temporada e, acostumado que estava a trabalhar somente em grandes clubes, comecei imediatamente a vivenciar também este choque de realidade que já citei acima: Não havia dinheiro para nada! Era matar um leão por dia para conseguir um mínimo de condições decentes de trabalho, muitas vezes tirando dinheiro do próprio bolso para comprar um medicamento, um esparadrapo e coisas do tipo. A prefeitura de uma cidade próxima bancou a pré-temporada cedendo um estádio, uma academia e a alimentação dos atletas. O presidente do clube ofereceu seu sítio para alojamento… Improvisa daqui, arruma dali, conseguimos até fazer uma boa preparação. 

Veio o campeonato e as coisas caminhavam de modo até bem satisfatório: Na fase classificatória, faltando duas rodadas para o seu encerramento, éramos os líderes invictos com 4 vitórias em casa e 4 empates fora, sendo que em todos os jogos o nosso time se mostrava mais organizado e consistente do que os adversários, graças à exemplar conduta metodológica e de gestão de pessoas que conseguimos implantar!

Foi então que os problemas começaram a pipocar e eu também pude começar a perceber a sua real extensão: Pagaram apenas 50% dos salários de Janeiro aos membros da comissão técnica… Estávamos em Três Corações para um jogo contra o Tricordiano e eu chamei o “gestor” e comentei sobre o tema: “Resolva isto, ou a coisa vai desandar! Se não tem os recursos para pagar em dia, converse com todos de modo franco, olho no olho e diga que não os tem, que não sabe quando os terá, mas que assim que tiver irá honrar os compromissos… Pare de ficar falando: Amanhã! Quando este amanhã nunca chega!”… E não é que o “gestor” ficou chateadinho comigo… Quer dizer: Eu é que estava errado!

Veio o mês de Fevereiro e aí já não pagaram os salários dos atletas… E sempre com a mesma enrolação de sempre: “Amanhã… a Prefeitura prometeu que vai liberar a verba…”, no outro dia: “A verba não saiu, mas estamos trabalhando para conseguir…”… Resultado: Acabou-se a credibilidade de um “gestor” que achava que tudo se resolvia na “lábia”, na conversinha mansa de quem tenta vender credibilidade sem agir de modo a construí-la e mantê-la!

Perdemos nosso penúltimo jogo (fora de casa, nossa única derrota, por goleada, time irreconhecível) e empatamos o último (em casa, contra o lanterna que, estimulado por premiações dos outros clubes, deu a vida neste jogo), dando assim adeus à nossa classificação, pois terminamos com o mesmo número de pontos de outros dois times que se classificaram nos critérios de desempate.

Ficamos muito chateados, pois a nossa campanha estava sendo muito boa e, a olhos vistos, um trabalho exemplar em que, mesmo diante de todas as dificuldades, estávamos tirando leite de pedra!… Felizmente, algumas horas após o jogo, minha ficha caiu e eu entendi que o melhor que poderia ter nos acontecido, era mesmo não termos nos classificado já que os problemas financeiros no hexagonal decisivo, não iriam se resolver, pelo contrário, se agravariam com mais despesas de viagens, hospedagens, alimentação, salários, etc. e a nossa campanha certamente seria péssima, jogando por terra toda a boa imagem que havíamos construído na fase classificatória.

Moral da história: Saímos todos com apenas dois meses e nove dias de trabalho, ninguém recebeu, não havia contrato assinado, jogadores desempregados no resto do ano… E um “gestor” “putinho da vida” por não termos nos classificado! É muita cara de pau!

Bem, mas isso foi só uma (longa) introdução para o real tema deste artigo: “processos x resultados”. Os processos são as decisões e procedimentos simultâneos ou em cadeia que tomamos para construir as condições ideais para a performance. Resultados são o que se espera dentro de campo como consequência de processos bem conduzidos. Sendo o futebol complexo, multifatorial e envolvendo grupos numerosos e heterogêneos de pessoas, o imponderável e os fatores externos muitas vezes se fazem presentes mudando os rumos de competições e até mesmo de carreiras profissionais! Uma bola na trave, uma cobrança de pênalti desperdiçada, uma falha do goleiro, uma bola que bate no zagueiro e engana o goleiro, uma expulsão, uma grave contusão, um erro de arbitragem, uma tragédia como a da Chapecoense… e tudo vai por água abaixo!

Não é, portanto, uma ciência exata! Mas há uma lógica como pano de fundo: Processos bem conduzidos, não são garantia de resultado, podendo, por vezes, até mesmo levar a uma derrota, mas aumentam em muito as suas probabilidades de sucesso no médio e longo prazo, simplesmente porque se está a fazer a coisa certa! E quando se faz a coisa certa, quando há coerência e justiça, torna-se muito mais fácil a adesão das pessoas ao seu projeto! Ele se fortalece e pode acabar ganhando vida própria! Por outro lado, processos mal conduzidos, com resultados, podem até acontecer, mas são a exceção e não a regra. São “acidentes”, por assim dizer! Um mau processo, se repetido continuadamente, no longo prazo não produzirá resultados, porque erros em cascata não podem produzir acertos! E, pior… pode levar a um quadro de decadência crônica até a falência total!

A mentalidade do resultado imediato ou a qualquer custo é muito prejudicial ao futebol. Resultados esporádicos ou acidentais podem maquiar erros grosseiros cometidos nos bastidores e ajudam a perpetuar um ciclo vicioso de dívidas crescentes e quebras de continuidade de bons trabalhos (mas que demandariam tempo) principalmente nos grandes clubes, onde a esfera política, que é a que tem poder decisório, mas nada entende de futebol, só pensa em se eximir de responsabilidades para se manter bem na fita diante de conselhos deliberativos, imprensa e torcedores. Julga-se os trabalhos realizados apenas pelo que veem e o que veem é para elas tudo o que existe! Não olham para além do óbvio! Simplificam tudo! Ganhou? Tá tudo certo! Perdeu? Tá tudo errado!…

É possível um clube com processos muito bem ajustados ser rebaixado, assim como um outro completamente caótico ser campeão… Mas, volto a dizer, isto é a exceção e não a regra! Nunca, jamais se deve usar a exceção para contestar a regra! É intelectualmente desonesto agir assim!

Imagine que um clube consiga cumprir 8 em 10 quesitos muito bem… Pode, com certeza vir a ser campeão, pois pode ser que os outros clubes, por sua vez, não tenham cumprido bem nem 5 destes quesitos,  mas a busca deveria ser sempre pela capacidade de cumprir 10 em 10 quesitos muito bem e isto se resume em uma única palavra: EXCELÊNCIA!

Sonho com o dia em que o futebol será mais bem compreendido e gerido com as pessoas cientes de que a excelência e a continuidade de um trabalho conduzido com bons processos, mesmo que não tenha sido campeão, já seria meio caminho andado para uma campanha ainda melhor no anos subsequente e assim por diante, construindo-se um ciclo virtuoso de longa duração, que pode, inclusive, alçar um determinado clube a um novo e desejável patamar no cenário futebolístico. 

Saudações!

 

 

⚽️🇧🇷🏆 FRANCISCO FERREIRA
CEO do Centro de Excelência em Performance de Futebol 
Gestor Técnico / Executivo de Futebol 
Representante WFA & GPS no Brasil
Associado ABEX-Futebol
CBF Licença A
+(55) 31 99104-9620 / 3444-4724  
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