SOBRE GESTÃO E CAPACITAÇÃO TÉCNICA NO FUTEBOL
O momento pelo qual atravessa o futebol brasileiro demanda reflexões, análises, debates e formulação de propostas para mudanças de rumo em praticamente todas as suas estruturas. A Copa do Mundo de 2014 e os humilhantes 7×1 impostos pelos alemães foram apenas o climax de alguns sintomas de uma doença que, ao que parece, se tornou crônica… A soberba que manifestamos ao longo dos anos, escorada nas conquistas passadas, parece ser um câncer metastático pois tomou conta de quase tudo e de quase todos!
Gestão no futebol brasileiro é uma coisa ainda incipiente. Temos muito ainda a fazer para vencermos os vícios estruturais ainda prevalentes neste meio. A estrutura política e administrativa ultrapassada da confederação e das federações, assim como a dos clubes, com seus conselhos deliberativos e seus dirigentes estatutários, bloqueia a maioria dos avanços necessários. Neste cenário, importa ter a habilidade para se pactuar, de modo harmônico, a esfera política, gerida pelo dirigente estatutário, com a esfera gerencial, a cargo do dirigente remunerado ou gestor.
O dirigente estatutário tradicional, aquele que possui sua atividade profissional ou negócio à parte do clube e que, após o seu expediente, dedica algumas horas do dia à agremiação, passando por lá ao final do dia, é um abnegado, não remunerado e um torcedor apaixonado… um perfil que já não consegue suprir aquilo que o futebol-negócio-empresa dos dias de hoje demanda. Defendo que alguns princípios deveriam ser estabelecidos como básicos na gestão racional de um clube de futebol por parte de seus executivos remunerados:
1- A prioridade na elaboração do PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO com metas claras e realistas de curto, médio e longo prazo;
2- A exigência de AUTONOMIA decisória com a contrapartida da PRESTAÇÃO de CONTAS e PRODUTIVIDADE;
3- “VENDER CREDIBILIDADE”! Lema e conduta que devem ser prioritários em todos os níveis de relacionamento representativo do clube;
4- SANEAMENTO FINANCEIRO e a obediência rigorosa ao critério mais basilar da gestão: NUNCA GASTAR MAIS DO QUE AQUILO QUE SE ARRECADA! Meta básica para a construção dessa imagem de credibilidade proposta;
5- Modernização das estruturas do departamento de futebol com investimento efetivo nas diversas áreas das CIÊNCIAS DO ESPORTE: Estruturas física, humana, tecnológica, científica-metodológica, de gestão e de formação de atletas;
6- Aplicação de ferramentas diversas da gestão comuns no universo corporativo como, por exemplo: o desenvolvimento de normas de PROCESSOS & PROCEDIMENTOS administrativos como forma de aperfeiçoamento dos mecanismos de CONTROLE & PRODUTIVIDADE; INTEGRAÇÃO DOS DEPARTAMENTOS do clube através de investimento em TI.
A soma de tudo isto, facilitaria a geração do chamado CÍRCULO VIRTUOSO do futebol. Um moto contínuo de: Boa gestão => Montagem de bons times => Boa performance => Boa exposição => Bom retorno financeiro => Saneamento financeiro + Reinvestimento para manutenção de bons times e melhorias estruturais => ….
Vejo muitos clubes com a preocupação de investir em estrutura (CTs, concentração, equipamentos, etc.), o que é ótimo, mas se esquecem do investimento em METODOLOGIA, em CIÊNCIAS DO ESPORTE e em GESTÃO ESTRATÉGICA! O quadro de recursos humanos do futebol brasileiro ainda é viciado, raramente se renovando, sempre com as mesmas caras! Dirigentes, em boa parte, são ainda, muito mais malandros e espertos, do que propriamente competentes ou capacitados! Entre os treinadores a história se repete: Pouca renovação; treinadores com histórico de serem mais competentes no exercício de liderança natural (carismáticos, “bons de vestiário”, que sabem “levar o grupo”…), do que propriamente preparados e com conhecimentos técnicos e/ou metodologia atualizados, fazendo com que o velho bordão: “o futebol aceita tudo” quase tenha razão! Dizem que os bons treinadores são, antes de mais nada, gestores de pessoas! Claro que essa capacidade na condução do grupo é importante. No contexto doméstico, até dá para o gasto, mas em nível internacional, contra os gigantes europeus, por exemplo, não dá mais para fazer frente somente com isto! A Copa 2014 provou isto!
Os europeus tem nos mostrado que o futebol de alto rendimento moderno demanda estudo e planejamento, análises exaustivas e detalhadas. Análises de desempenho, análises estatísticas, análises de perfis, bancos de dados, etc. vieram para ficar e quem não aderir/investir vai ficar para trás!
Como um acadêmico, que milita há 25 anos no futebol profissional em grandes clubes e hoje com uma visão macro do futebol muito apropriada, posso dizer que já vi de tudo neste meio! Minha experiência pessoal me leva a tecer a opinião de que, muitas vezes, o ex-atleta que não buscou capacitação acadêmica, mas desde que dotado de boas qualidades do caráter como o bom senso, a inteligência, o discernimento, a humildade e habilidade para se trabalhar em equipe, poderia ser um ótimo observador ou auxiliar técnico. Há, é claro, algumas exceções como aqueles que conseguiram construir carreiras e reconhecimento fantásticos, como um Telê Santana e, como vinha trilhando recentemente, o competente Marcelo Oliveira. Muitos treinadores são ex-atletas que cursaram faculdades de Educação Física, na maioria do casos de maneira precária. Há os que se destacam por se cercarem de profissionais competentes em suas comissões técnicas e que ouvem seu staff. O fato: As faculdades de Educação Física, na grande maioria dos casos, preparam aqueles seus alunos que almejam atuar no futebol, através de conteúdos predominantemente voltados para o treinamento físico… ou seja, formam preparadores físicos! O que dizer então da formação de gestores esportivos, uma vez que essas mesmas faculdades os preparam para serem muito mais “pedreiros” (operadores) do que “engenheiros e/ou arquitetos” (planejadores)?!
É fato também, que temos profissionais competentes ou medíocres de ambos os lados, não existindo garantias de que a experiência prática ou a formação acadêmica sejam o que determina o sucesso, mas é verdade também que a capacitação técnica é e sempre será, mais do que desejável! Conhecimento nunca é demais e me parece que estamos acordando para essa realidade com os movimentos de entidades de referência como a UFV, UFMG, Universidade do Futebol e, porque não?! a própria CBF, começando a se preocupar em promover a regionalização, popularização, adequação/equiparação (com CONMEBOL e UEFA) e, principalmente, a obrigatoriedade de capacitação técnica de treinadores através de seus cursos de capacitação e contínua atualização metodologica, o que será muito benéfico e muito bem vindo!
Hipotéticamente, pode se inferir que o ideal seria o ex-atleta com formação acadêmica adequada, mais as capacidades intelectuais, de gestão e liderança; bom senso e caráter!
Temos, enfim, uma nova safra de jovens treinadores surgindo e à espera/procura de oportunidades no mercado de trabalho. Muitas vezes faltam estrutura e oportunidades. O conhecimento está hoje ao alcance de quem o quer buscar… uma realidade destes tempos globalizados. Fica a discussão: Não seria a experiência prática do ex-atleta essencial para a orientação/ensino das ações específicas da modalidade? Neste caso, não seria importante a atuação do ex-atleta nas categorias de base para o ensino dos fundamentos? Mas não seria este então um mero repetidor daquilo que recebeu em treinamentos quando jogava, sem saber na teoria o porque, como, quando e onde aplicar? Ou: será que existe mesmo “gesto técnico correto”? Não seria tudo uma questão de individualidade, de eficácia x eficiência? Fica a sugestão para um debate que pode dar “pano pra manga”!
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