ERROS EM CASCATA NA GESTÃO DO FUTEBOL DO CRUZEIRO
Quem é do ramo do futebol sabe que este é um meio que tem sua própria cultura, sua própria dinâmica. As coisas mudam de um dia para o outro, mas os sintomas de que algo anda errado ficam muito evidentes para aqueles que conhecem um pouco do assunto.
Sem querer me arvorar em dono da verdade ou um sabe-tudo, exponho a seguir minha visão do momento do Cruzeiro, clube onde atuei por 11,5 anos na comissão técnica permanente do departamento de futebol profissional.
Considerado um dos clubes mais estruturados, assim também como um dos que oferece as melhores condições de trabalho, com salários sempre em dia e bom ambiente – quase todos os treinadores que passam pelo clube costumam dizer que lá tudo funciona, que os profissionais permanentes são de excelência, que é como uma “família”, etc., etc.- E isto é uma verdade!
Porém, a temporada atual aponta uma gestão equivocada em vários sentidos. Volto a bater na tecla: A gestão do futebol no Brasil é algo ainda incipiente e falo isto não em tom pessoal, não querendo atacar ninguém, mas como uma crítica construtiva, como uma constatação geral! Ainda estou pra ver um choque de gestão no futebol brasileiro… Talvez o Flamengo esteja mais próximo disso com a gestão do Eduardo Bandeira de Mello!
Bem, trata-se de um meio ainda extremamente conservador, apegado às subjetividades e extremamente político, onde o que prevalece é o ficar bem diante de conselheiros, imprensa e torcedores. Neste meio não são bem vindos aqueles que falam a verdade, que apontam os erros, que botam o dedo nas feridas! Há muito melindre, muita vaidade e desconfiança juntos!
Outro aspecto que causa muitos prejuízos é que: “Gostar” de futebol é muito diferente de “entender” de futebol e aqui no Brasil parece mesmo que todos acham que entendem… Daí termos ainda nossos clubes sendo comandados de forma amadora pelos seus, muitas vezes, vaidosos dirigentes estatutários que, na verdade, não passam de torcedores apaixonados do clube.
Estamos presos a uma estrutura arcaica que se perpetua no âmbito de CBF, federações e clubes onde a esfera política é a “locomotiva” a puxar os “vagões” das esferas administrativa e técnica, quando deveria ser exatamente o contrário. Enquanto este poder, blindado pela legislação ultrapassada e quase que onipotente da esfera política sobre as outras esferas, permanecer absoluto, será difícil termos uma gestão realmente revolucionária.
Começo a escrever este artigo no intervalo do jogo Fluminense X Cruzeiro… E o que vi foi assustador! Um time sem força, sem capacidade de arranque, chegando atrasado nas bolas e, consequentemente, cometendo faltas em excesso. Na questão tática, um bando!, pois não adianta contratar jogadores com campeonato em andamento e achar que basta coloca-los em campo que irão resolver.
O português Paulo Bento é um incógnita… Imagino que deve ser competente por já ter sido treinador da seleção portuguesa, deve ter uma metodologia de trabalho moderna… mas ao mesmo tempo, me chegam informações de amigos portugueses de que ele não é essa “Brastemp” toda, não… e que exatamente por isso, ficou tanto tempo sem trabalho após a passagem pela seleção lusitana… Mas, ok… o fato é que tudo o mais que ele e a diretoria tem feito não está dando resultado: O momento de sua contratação, por exemplo (não se implanta uma metodologia tão diferente esperando resultados imediatos); Não se contrata um treinador europeu para vir atuar no futebol sul americano sem que tenha conhecimento das características, da cultura de nosso futebol, de nossos atletas, etc. e ainda querendo resultados pra ontem! Não se deve chegar a um clube, conhecido pela estrutura e qualidade/competência científica de sua comissão técnica permanente e não usar seu know-how (culpa também da diretoria que não banca sua comissão técnica permanente e permite que o treinador recém- chegado abra mão destes profissionais!).
De modo arrogante tanto Bento quanto sua comissão técnica tem insistindo no valor de sua metodologia como se ela fosse uma coisa de outro mundo, uma grande novidade para nós brasileiros e como se aqui fôssemos uns caipiras que não sabem nada! Paulo Bento erra grosseiramente ao suprimir os treinamentos de força tanto no campo quanto na sala de funcional/musculação e aplicar somente treinos em campo reduzido no meio de uma temporada em andamento. Eu defendo a periodização tática, mas desde que adaptada à cultura de nosso futebol com treinos complementares de força, funcionais e proprioceptivos.
Seu preparador físico não dá importância aos relatórios dos fisiologistas quanto ao aspecto de prevenção de lesões monitorados através de marcadores bioquímicos e de inflamação. Insistem na escalação de atletas que reconhecidamente não vem bem e que são contestados por imprensa e torcedores correndo o risco até de serem queimados (Alano e Bruno Rodrigo são os maiores exemplos).
Erram por mudarem as rotinas de horários de treino sem saber que o atleta brasileiro não possui o mesmo senso de profissionalismo dos europeus na vida particular. Muitos não se cuidam como deveriam em termos de repouso e alimentação fora do clube. Estão acostumados, há anos e anos, a dormir até tarde da manhã de domingo na concentração em dia de jogo. Querer que estes jogadores acordem cedo para um treino, ainda que leve, na manhã de domingo, tendo jogo à tarde… É simplesmente procurar encrenca!
No início do ano aplaudi a montagem de uma comissão técnica permanente de excelência com a chegada dos competentes Geraldo Delamore e Alexandre Lopes para se juntarem a Quintiliano Lemos, Eduardo Freitas, Eduardo Pimenta, Ronner Bolognanni, dentre outros… Mas por falta ou de conhecimento, ou de habilidade, ou de coragem para impor a filosofia do clube por parte dos que comandam o futebol, esta comissão já perdeu os dois primeiros citados em menos de seis meses por imposição de Paulo Bento…
Bem, se sou eu o Diretor de Futebol ou Diretor Executivo, a prioridade seria sempre a continuidade de profissionais de reconhecida competência técnica, impondo à comissão técnica que chega a divisão de responsabilidades e a obrigatória valorização dos profissionais do clube que deverão ter voz ativa na condução dos processos de treino, logística, recuperação, etc. De repente, pode ser que o Deivid arriscando como treinador nem tenha tido assim tanta culpa! O elenco era mesmo carente de mais qualidade. Assim, melhor seria tê-lo mantido por já estar ambientado e com seu modelo de jogo em desenvolvimento e dar-lhe os reforços necessários.
Bruno Vicintin, um empresário rico e bem sucedido, torcedor apaixonado do clube, foi apresentado como o Vice de Futebol que iria aplicar os modelos de gestão corporativa na gestão do clube e isso é muito bem vindo, mas a realidade o mostra como alguém que, não sendo do meio do futebol, age muito passionalmente, com o coração, como um torcedor mesmo! Thiago Scuro foi contratado como solução para a condução do departamento de futebol, mas a apresentação de um bom currículo acadêmico não lhe garante a experiência suficiente para comandar um clube de ponta do futebol brasileiro.
Vejo o Presidente, Gilvan de Pinho Tavares, pessoa correta e de caráter, com o mesmo perfil da imensa maioria dos dirigentes estatutários do futebol brasileiro: Um abnegado, um torcedor apaixonado pelo clube, onde milita desde a década de 50. Não é do ramo, é advogado!
O Executivo de Futebol vir após o jogo dar uma de linha dura por conta de uma declaração infeliz, mas verdadeira, do atacante Riascos é tentar transferir culpa, é tentar, de modo muito infeliz e, mostrando tremenda inexperiência, demonstrar força, mostrar que manda, que tem moral… mas acabou foi botando mais lenha na fogueira, quando na verdade deveria agir como um bombeiro! Deveria ter dito na rádio: “Vamos ouvir mais tarde com calma a declaração do jogador, analisar com cuidado e ver, internamente, que atitude tomar…”. A reação do jogador só demonstra o estado de desapontamento dos atletas. Estes dois exemplos (Paulo Bento e Riascos), mostram bem como as coisas foram conduzidas de modo um tanto quanto amador no Departamento de Futebol do Cruzeiro, apesar das melhores intenções da parte de todos para fazerem a coisa funcionar. Gente, um dos segredos mais básicos do futebol, coisa que aprendi com meu amigo Eduardo Maluf, é BLINDAR O DEPARTAMENTO DE FUTEBOL! PONTO!
Quer mesmo apostar em algo inovador no futebol? Então dê tempo para que seja implantado e desenvolvido! Para isto, Paulo Bento deveria ter vindo em Dezembro e ali a diretoria já deveria ter bancado a permanência e poder de voz da comissão permanente. As coisas como estão, indicam que o Cruzeiro pode estar caminhando a passos largos para o rebaixamento… Isto indica também que Paulo Bento deverá cair em breve! Não porque seja incompetente, mas porque foi contratado no momento errado, sem conhecimento das particularidades do clube e do futebol brasileiro, assim como sem tempo para implantação de seu método e, também, porque chegou arrogante e desconfiando de todos, quando o mais sábio seria chegar agregando, aglutinando, trazendo todos para perto de si e confiando nas informações repassadas pela comissão permanente!
É muito fácil prever o que vai acontecer: Vão tentar trazer o Mano Menezes de volta e esperar que ele faça o mesmo milagre que operou no ano passado, quando, se tivesse chegado com duas ou três rodadas de antecedência, teria chegado à Libertadores e, quem sabe, até mesmo disputado o título!
Repito o que citei em um artigo recente, onde um certo dirigente de um grande clube, sobre uma possível contratação do ousado Fernando Diniz, após a brilhante campanha do Audax no Paulistão proferiu a seguinte “pérola”: “Ah, mas ele iria precisar de tempo para implantar sua metodologia!”, ou seja, esta fala demonstra o nível de nossos dirigentes: Para estes, significa simplesmente que os outros treinadores não precisam de tempo… Ou seja, querem resultado pra ontem! Querem que o treinador faça alguma mágica, meio que POR ACASO, consigam fazer o time jogar bem! É a mentalidade do “chegar e fazer mais do mesmo”, torcendo pra dar certo! Até faz algum sentido, dada a bagunça que é o futebol brasileiro em termos de gestão por parte dos dirigentes estatutários!
Quer trilhar um caminho de SUCESSO no futebol?! Então:
CONTINUIDADE e FIRMEZA de PROPÓSITOS: É o primeiro passo! Apostar em trabalhos de médio e longo prazos sem se importar ou se deixar levar pelas pressões por mudanças em busca de um resultado imediato;
METODOLOGIAS MODERNAS: Investir em treinadores com metodologias modernas, mas dando-lhes tempo;
CONHECIMENTO TÉCNICO: Dirigentes deveriam ter experiência e conhecimento profundo da área técnica do futebol e não apenas por serem torcedores, conselheiros, empresários de sucesso no mundo corporativo;
CORAGEM: Para traçar metas, rotas e processos em conjunto com o departamento técnico/científico do clube, bancar aquilo em que se acredita e ser coerente com o que foi proposto;
CREDIBILIDADE, HABILIDADE e CONVICÇÃO: Para saber conduzir a gestão de pessoas e os processos! Mesmo sendo o futebol multifatorial, apostar na coerência sempre tornará a possibilidade de êxito mais plausível do que o simples acaso! Os processos bem feitos e bem conduzidos são mais importantes do que um resultado imediato passageiro, pois garantem uma probabilidade de êxitos futuros mais duradouros (Criação de um Ciclo Virtuoso);
VISÃO MACRO: Estudar e entender os contextos, sabendo se situar dentro deles.
É este o até simples CHOQUE DE GESTÃO que poderia trazer resultados futuros aos clubes brasileiros no médio e longo prazo!
Saudações!
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