ACADÊMICO OU EX-ATLETA? POLÊMICA PAULO CÉSAR CAJU / ROGÉRIO MICALE
Chegou a mim uma entrevista dada pelo Paulo César Caju ao jornal Extra (http://extra.globo.com/esporte/rio-2016/paulo-cesar-caju-dispara-contra-tecnico-da-selecao-olimpica-quem-rogerio-micale-19878366.html), em que o mesmo profere uma coleção de equívocos. Certamente um dos textos mais tendenciosos que li nos últimos tempos.
PC foi sim um grande jogador! Meia e ponta esquerda, muito técnico, que se destacou nos grandes clubes do Rio e na Seleção Brasileira nas Copas de 70 e 74, além do Olympique Marseille da França e depois no Grêmio, já no final da carreira.
Fazendo coro com declarações recentes de Rivelino e Narciso em um programa esportivo, PC ataca sem embasamento algum a atuação dos profissionais de Educação Física no futebol e a atuação do técnico Rogério Micale à frente da seleção olímpica do Brasil.
Há sim, uma disputa velada onde, de um lado, temos os ex-atletas, que automaticamente se “tornavam” treinadores ao encerrarem suas carreiras e, de outro, os acadêmicos advindos principalmente das faculdades de Educação Física. Nesta queda de braço, onde impera um senso implícito de corporativismo e reserva de mercado, quem estaria com a razão? Quem seria o mais apto ou preparado? Como um acadêmico, que milita há mais de 25 anos no futebol profissional em grandes clubes e hoje estudando mais ainda na busca por uma visão macro mais abrangente do futebol, posso dizer que já vi de tudo neste meio!
Minha experiência pessoal me leva a tecer a opinião de que, muitas vezes, mesmo o ex-atleta que não buscou capacitação acadêmica, mas desde que dotado de boas qualidades como o bom senso, a inteligência, o discernimento, a honestidade, a humildade e a habilidade para se trabalhar em equipe, poderia ser um ótimo observador ou auxiliar técnico para integrar uma comissão técnica competente. Neste caso, sua experiência vivida em campo é muito valiosa.
Em outros casos, quando esta vivência prática é acompanhada de prepotência e vícios de uma cultura futebolística inflexível e que não se interessa em aprender, ou que tem mera preguiça de estudar e buscar inovações e conhecimentos, ela se torna até nociva! É o boleirão que vive do passado e “se acha”!
A maior parte dos absurdos que já presenciei no futebol, vieram exatamente de conceitos e opiniões viciadas e sem fundamentação teórica formulados por ex-atletas: Subjetividades, opiniões próprias, experiências pessoais… Consequência também da baixa escolaridade prevalecente neste meio, assim como de uma arraigada autossuficiência pelo simples fato de terem jogado profissionalmente… Tipo: “Joguei muita bola, fui craque, ganhei muitos títulos e muito dinheiro… Não tenho nada o que aprender, só a ensinar!”… Há, é claro, as exceções como aqueles que conseguiram construir carreiras de reconhecimento inequívoco, como um Telê Santana, um Ênio Andrade, por exemplo. Autodidatas, notório saber… Difícil encontrar uma definição precisa!
Muitos treinadores são ex-atletas que cursaram faculdades de Educação Física, mas muitas vezes, de modo precário. Há também os que se destacam por se cercarem de profissionais competentes em suas comissões técnicas e que conseguem trabalhar de modo inter-multi e trans disciplinar, ouvindo e dando voz ativa aos seus staffs. Um fato: As faculdades de Educação Física, na grande maioria dos casos, preparam os alunos que almejam atuar no futebol, através de conteúdos predominantemente voltados para o treinamento físico… Ou seja, formam preparadores físicos e fisiologistas!
Na minha turma da Licença A da CBF, vi um ex-atleta, cara do bem, meu amigo, dormir o tempo todo porque não estava acostumado ao ambiente e ao ritmo de estudos. Após uma aula de psicologia do esporte ele me confessou: “Não entendi nada!”. Ou seja, trata-se de uma questão cultural com muito ainda a se corrigir e se ajustar, como por exemplo o chamado curso de nivelamento aplicado àqueles que possuem baixa escolaridade (às vezes, um semialfabetizado), para que tenha uma condição mínima de acompanhar as disciplinas teóricas. Já um outro treinador, não de ponta, mas até conhecido (ex-atleta e graduado precariamente em EF), mandava por e-mail todos os seus trabalhos acadêmicos exigidos no curso para um membro de sua comissão técnica fazer por ele… Bem, aí já é mesmo uma questão de caráter, de índole! Gente que ainda se agarra na malandragem e no jeitinho! Isso é soberba! Arrogância de quem acha que não precisa aprender… Já sabe tudo!
O que dizer então da formação de gestores esportivos, uma vez que estas mesmas faculdades os preparam para serem muito mais pedreiros (operadores) do que engenheiros e/ou arquitetos (planejadores)?! É fato também, que temos profissionais competentes ou medíocres de ambos os lados, não existindo garantias de que a experiência prática ou a formação acadêmica sejam o que determina o sucesso, mas é verdade também que a capacitação técnica é e sempre será mais do que desejável! Conhecimento nunca é demais!…
Até acho que estamos acordando para essa realidade com os movimentos de entidades de referência como a UFV, UFMG, Universidade do Futebol e, porque não?! a própria CBF Academy, começando a se preocupar em promover uma mais efetiva regionalização, popularização, adequação/equiparação (com CONMEBOL e UEFA) e, principalmente, a introdução paulatina de uma exigência de obrigatoriedade na capacitação técnica de treinadores através de seus cursos de capacitação e de atualização metodológica continuada, o que será muito benéfico e mais do que bem vindo!
Todos só sairiam ganhando com isto! Porém, temos um outro lado: O ex-atleta que luta contra isto! E isto se dá porque, ou tem preguiça ou medo de estudar, desejando, isto sim, o lado mais cômodo de uma reserva de mercado em benefício de sua classe. Hipoteticamente, pode se inferir que o ideal seria o ex-atleta (vivência prática), que tenha buscado formação acadêmica adequada (capacitação técnica e teórica), dotado ainda das capacidades intelectuais/psíquicas de gestão e liderança de pessoas; de carisma, bom senso, caráter, perspicácia, etc. Grosso modo, arrisco dizer que temos, hipoteticamente, de um lado aquele que sabe O QUE fazer (acadêmicos), e de outro aquele que sabe O COMO fazer (o ex-atleta).
Temos também uma nova safra de jovens treinadores, mais estudiosos, antenados com o que há de mais moderno e à espera de oportunidades no mercado de trabalho. O conhecimento está hoje ao alcance de quem o quer buscar – uma realidade destes tempos globalizados – e quem não o buscar ficará para trás.
Fica, no entanto, um tema para discussão: Não seria então, a experiência prática do ex-atleta, essencial para a orientação/ensino das ações específicas da modalidade? Neste caso, não seria importante a atuação do ex-atleta nas categorias de base para o ensino dos fundamentos? Mas não seria este, por outro lado, um mero repetidor daquilo que recebeu em termos de treinamentos quando jogava, sem saber na teoria uma maior profundidade no porquê, como, quando e onde aplicar? Ou, botando ainda mais lenha na fogueira: Quem pode afirmar que um acadêmico, que não jogou profissionalmente, mas que jogou muita bola como amador, não possa ensinar fundamentos de modo adequado? E mais: Será que existe mesmo gesto técnico correto? Não seria tudo uma questão de individualidade, de eficácia x eficiência? Fica a sugestão para um debate que pode dar muito “pano pra manga”!
O certo é que precisamos de treinadores mais estudiosos, que tenham a mentalidade do planejamento, do estudo e da constante atualização metodológica. Já vi treinadores que decidiam, minutos antes do treino, que tipo de atividade iriam aplicar no dia. Improviso total, não porque teve algum insight inovador, mas porque confia apenas na sua vivência! Cansei de ver treinadores escorados no velho papo: Eu joguei! E você? Jogou aonde?… Por outro lado, não adianta também ser apenas um rato de laboratório! Repito: CONHECIMENTO, NUNCA É DEMAIS!… Mas não pode estar dissociado da prática!
Pergunto ao PC Caju: Quem ensinou Pelé a jogar? Foi algum ex-atleta? Ou foi algum professor de Educação Física? Quem ensinou Pelé e outros grandes craques, como você mesmo PC, foi a RUA! Foi o encontro/conjunção de uma série de características físicas inatas — facilitadoras — com a experiência diária nos campinhos de terra onde jogavam praticamente o dia inteiro pelo simples prazer de jogar e de se divertir. Tentando e errando, tentando de novo e de novo até descobrir! Improvisando, criando até encontrar soluções motoras eficazes para a superação dos obstáculos impostos pelo jogo e suas regras. Praticar, praticar e praticar sem regras rígidas ou imposições que limitassem o desenvolvimento da criatividade e da habilidade. Brincando com a bola, se divertindo, sendo criança e com ela construindo intimidade! Desenvolvendo um vasto arsenal motor e aguçadas capacidades de detecção, percepção, tomada de decisão que resultem numa execução rápida, precisa e fácil (baixo esforço) de um gesto técnico ou criação de uma jogada complexa bem sucedida. Prática, prática e mais prática… Livre, lúdica e prazerosa!
Treinador não ensina ninguém a jogar! Nem na base! Treinador bom é aquele que tem entendimento de que atua apenas como um facilitador/orientador/lapidador para o desenvolvimento do potencial do jovem atleta. Treinos de fundamentos através do método analítico são muito importantes para os iniciantes sim! Mas deve ser permitido ao menino o direito de tentar, errar e repetir e repetir até que ele mesmo descubra, por experiência própria, executando, o que dá resultado ou não, o que é eficiente ou não… Quem tiver que ser um craque, será! Como diz o genial Tostão, O CRAQUE É!.
Desculpando-me pelo pleonasmo, uma seleção natural, naturalmente fará sobressair os bons! PC não conhece Micale?! Pois Micale, meu colega de turma na Licença A da CBF, é conhecido por todos os que acompanham a formação de base no futebol brasileiro! Onde você estava PC? Você não acompanhou a base? Então com base em que teceu seus comentários? Ok, alguns dos que vou citar abaixo já deram o que tinham, podem estar mesmo ultrapassados, etc., mas todos já ganharam títulos importantes! Vejam: PC acha que ex-goleiros não podem ser bons treinadores? E aí Leão? Geninho?… PC acha que acadêmicos não podem ser bons treinadores? Que dizer de Cláudio Coutinho, Parreira, Autuori, Ney Franco, Oswaldo de Oliveira?!… PC acha mesmo que jogadores que não foram craques não podem ser bons treinadores? E aí Tite? Luxemburgo? Mano? Felipão? Mourinho? Fernando Diniz? O próprio Micale?! Ou, por outra forma de colocar: PC acha que só ex-craques podem ser bons treinadores? Que dizer de Reinaldo, Nelinho, Falcão, Maradona e muitos outros jogadores fenomenais que não tem ou não tiveram uma carreira consistente como treinadores?
Estude Paulo César Caju! Mesmo que não seja para ser treinador, saiba que até para escrever sobre futebol seria de se esperar um pouco mais de coerência e de conhecimentos atualizados.
Saudações!
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