⚽️ A REVOLUÇÃO DO TREINAMENTO QUE LEVOU A BÉLGICA AO TOPO DO MUNDO

A REVOLUÇÃO DO TREINAMENTO QUE LEVOU A BÉLGICA AO TOPO DO MUNDO

Na Euro 2000, a Bélgica sofreu o vexame de cair ainda na primeira fase de um torneio que estava organizando em conjunto com a Holanda.

O que se seguiu foi uma reformulação completa na forma como o país passou a treinar seus jovens, provocando uma evolução tal que levou a equipe a subir do 66º lugar no Ranking Mundial da Fifa para o topo em 2015.

Como Diretor de Capacitação de Treinadores, Kris Van der Haegen esteve no centro dessa transformação. Ele disse ao Way of Champions Podcast como isto foi feito:

INTRODUÇÃO

Van der Haegen: Nós organizamos o Campeonato Europeu junto com a Holanda em 2000 e não conseguimos chegar nem à segunda fase. Quando as coisas estão indo muito bem, as pessoas não querem ouvir pois consideram que está tudo certo. Então, esse foi o momento perfeito para colocar todo mundo ao redor da mesa e perguntar o que estávamos fazendo de errado. A chave para a mudança foi a capacitação/educação/formação de nossos treinadores.

1. ABORDAGEM CENTRADA NO JOGADOR

Um dos mais importantes princípios é que o ator principal do futebol é o jogador, não é o treinador, não é a equipe. Então torna-se muito fácil entender que no futebol infantil temos que fazer o que eles gostam. Nós chamamos isso de ABORDAGEM FEITA SOB MEDIDA. Quem deve ser o meu foco? Observe as características do jogador e adapte o ambiente para desenvolvê-lo.

2. PEQUENOS JOGOS

As crianças querem jogar futebol do seu jeito, não como os adultos querem jogar. Se você colocar uma criança na bicicleta de um adulto, ela dirá “você está louco?” Mas é isso que acontece no futebol, queremos que joguem 11 v 11 ou 8 v 8 em uma idade muito jovem. Eles não são capazes de fazer isso.

Quando criança, como você começou a Jogar? No meu caso, foi com meu irmão, jogando 1 a 1 em casa, no jardim, na garagem, driblando e fazendo gols.

Nós então criamos um formato que é feito sob medida para isso. Colocamos um jogador no gol e um no campo e aos cinco, seis anos, eles jogam 1 x 1 com o goleiro e eles adoram! Eles têm assim muitos toques na bola, muitas oportunidades de marcar gols. É tudo feito sobre esse ambiente divertido e divertido significa marcar gols.

Eles jogam dois tempos de três minutos, depois vão para o próximo jogo. O vencedor vai para a esquerda e o perdedor para a direita. Depois de um ou dois jogos, todos eles jogarão contra um nível similar de adversário e todos marcarão gols, todos ganham jogos, o que torna tudo mais divertido e atraente.

Eu lembro que no clube de meu bairro, alguns dos pais disseram: “Kris, você é louco. O que você está fazendo? O futebol é um jogo coletivo e você está fazendo com que joguem 1 v 1 e um goleiro. ”

Eu disse: “Sim, o futebol é um jogo coletivo – mas apenas quando eles já são adolescentes e adultos.” Quando eles têm cinco anos, eles não querem passar a bola, eles só querem driblar e marcar gols.

Costumávamos jogar 5 v 5 aos seis anos e tinha um grande problema, porque como há apenas uma bola, alguns meninos nunca davam sequer um toque nela. Depois de algumas semanas, eles diziam: “Eu não gosto disso, não é divertido”.

Somente no Sub-14 é que eles irão jogar pela primeira vez 11 a 11 conosco.

3. MULTIMOVIMENTOS

Este é um projeto incrível financiado pelo governo belga. Trata-se de habilidades motoras básicas – proporcionar-lhes atividades e movimentos variados e prepará-las para escolher um esporte quando forem mais velhas. Essa é uma abordagem que queríamos focar mais e mais – tornar as crianças ativas em vários esportes e, mais tarde, eles podem decidir se preferem basquete, voleibol, futebol ou o que for. Isso é muito importante.

Os pais tendem a olhar com os óculos de adultos. Eles dizem: “Eu quero que meu filho jogue futebol. Agora estou vendo ele pegando balões”. Mas você precisa começar com o básico. Se eles não são capazes de dominar o básico (balões), então eles não podem entrar ainda em situações complexas. Então eles vão parar de amar futebol.

4. DANDO LIBERDADE AOS JOGADORES

Quando comecei a jogar futebol, há 45 anos, era nas ruas que eu jogava. Muitas vezes eu pergunto aos treinadores “quem jogou futebol de rua?”… Não havia árbitro, então você podia tentar e inventar qualquer coisa, e não havia treinador, então havia liberdade!

Se você quer jogadores criativos, você deve criar um ambiente de liberdade. Isso significa ter um treinador que mais observa, que está lá como guia, que os ajudará a chegar ao seu destino (descoberta guiada), mas não um treinador de PlayStation, guiando robozinhos, que diz “faça isso, faça aquilo”, que toma todas as decisões ao invés deles.

Crie o ambiente, liberte-os e ajude apenas se for necessário. Deixe as crianças descobrirem – elas são mais inteligentes do que você pensa que são.

5. PRÁTICA BASEADA EM JOGOS

O futebol é complexo e é um processo de tomadas de decisão. Os jovens jogadores devem estar em um ambiente de tomada de decisões por si mesmos. Uma vez que o jogo começa, o treinador está fora. O jogador tem que ler o jogo e tomar as decisões.

No treinamento, isso é o que você tem que simular – situações reais baseadas em jogos onde elas podem tomar decisões, ler o jogo e aprender com ele. Isto é muito, muito importante.

Eles precisam aprender a ter consciência do espaço e do tempo. No futebol você tem adversários. Você pode querer fazer um exercício de passe e de chute como aquecimento, mas então você precisa entrar em situações em que os jogadores estão cientes do adversário e estão pensando “como eu posso criar espaço para mim mesmo?”.

Todas essas coisas você só pode adquirir em situações de jogo. Quando eu era menino e tínhamos que passar de um cone para outro em treinamento, era muito chato! Costumávamos dizer: “Treinador, quando vamos jogar um jogo?”

Ele dizia: “Se você se sair bem, vamos jogar um jogo na parte final do treino”.

Nós mudamos isso completamente. Um dos meus slogans para treinadores é “fazer seus jogadores amarem o jogo”. Depois disso, você pode ajudá-los a aprender o jogo. Eles amam o jogo através da maximização de situações de jogo.

6. GANHAR NÃO É IMPORTANTE

Não temos campeonatos com tabelas de classificação até o nível Sub-14. Essa foi uma das grandes batalhas para nós. Os treinadores não devem se preocupar com as tabelas de classificação e tentar ganhar troféus antes dessa idade – eles devem pensar em desenvolver jogadores.

Os treinadores estão muito inclinados a se concentrar em ganhar o jogo. Isso faz com que eles coloquem os meninos grandes e fortes que lhes dão maiores chances de ganhar, então os meninos de maturação tardia acabam ficando no banco 75% das vezes.

A segunda coisa que fizemos foi estabelecer jogas de quatro tempos. No final do primeiro e terceiro tempo, todos os substitutos/reservas entram em campo. Essa é a única vez que o técnico faz substituições. Caso contrário, eles não se desenvolvem, porque estão no banco assistindo ao jogo em vez de participar dele.

Lembre-se desse slogan novamente – ame o jogo, então o aprendizado pode começar.

7. OLHAR PARA OS DE MATURAÇÃO TARDIA

Os meninos de maturação tardia ​​demorarão um ano a mais se precisarem. Ai então eles poderão jogar em condições iguais e mostrar suas habilidades. Se você não fizer isso, poderá perder alguns grandes talentos que estão atrasados na idade biológica. Nacer Chadli, Dries Mertens e Kevin De Bruyne – todos eles estavam atrasados.

Na verdade, Kevin De Bruyne nunca havia sido convocado para a seleção nacional até os Sub-19 – agora ele é considerado o melhor jogador da Premier League!

Na Espanha, o Real Madrid e o Barcelona estão realmente focados nos meninos de maturação tardia, porque estão cientes do que podem fazer. Se você lhes der tempo para crescer, eles podem se transformar em um Messi ou uma Iniesta!

Estes são os jogadores que realmente desenvolveram seu cérebro, a inteligência… e isso é o que o futebol moderno é – ler o jogo e tomar decisões rápidas, sendo capaz de executar o que você tem em mente (solução inteligente) de modo rápido, preciso e com o mínimo de esforço.

Fonte: Training Ground Guru https://trainingground.guru/articles/coaching-revolution-that-took-belgium-to-top-of-world

Tradução e adaptação: Francisco Ferreira