POSSE de BOLA
É um conceito que ainda inspira algum receio aqui no futebol brasileiro. Vemos nossos jogadores muitas vezes passando bolas na “fogueira” parecendo assim, querer se livrar da bola o mais rapidamente possível… Talvez medo da responsabilidade… medo de ser aquele que pode perdê-la gerando um ataque perigoso do time adversário e depois ser culpado pela derrota… Vale lembrar que a maioria dos times brasileiros possuem vários jogadores ainda muito jovens, portanto, mais suscetíveis a pressões desta natureza.
Aqui se treina muito os jogos em campo reduzido, muitas vezes com objetivo de posse, mas não desenvolvemos ainda uma teoria própria, uma referência objetiva sistematizada que nos oriente acerca do treinamento do futebol em todos os seus detalhes. Então, o que acontece com frequência, é que vemos os europeus fazerem e simplesmente tentamos copiar… “Ah… Se na Europa fazem, só pode ser bom!”…
Nós do CEPERF, temos introduzido aqui o conceito da Periodização no Futebol ao promover cursos com o seu mentor, o holandês Raymond Verheijen da WFA (World Football Academy), com o objetivo de embasar o planejamento dos treinamentos de toda uma temporada, em seus mínimos detalhes, através de uma teoria sistematizada e com referências claras que nos dão a segurança e referencial do saber “o que, porque, como e quando” de cada conteúdo. O jogo tem que ser a referência! Temos que buscar a especificidade, o já conhecido jargão “treinar o jogo e jogar o treino”, reproduzindo sempre as situações idênticas às que vamos enfrentar nos jogos e reproduzindo também o modelo de jogo de seu time. Essa teoria tenta explicar “O QUE” deveríamos treinar, mas não o “COMO”, pois esta já seria uma questão subjetiva, individual e/ou de filosofia própria de cada treinador.
Muitos ainda continuam obrigando os nossos jogadores a treinar somente em 2 toques quando na verdade a realidade do jogo não impõe essa regra! Como apropriadamente criticou recentemente o vitorioso e experiente Vanderlei Luxemburgo, a moda dos jogos em campo reduzido não é e nem pode ser a única maneira de se treinar o futebol. Logicamente que treinos em 1 ou 2 toques ajudam a desenvolver essa dinâmica de jogo, mas o que a complexidade do futebol exige mesmo é a tomada de decisão acertada: O que é melhor para determinada situação do jogo? 1 toque? 2 toques? 3 toques? Posse? Condução? Drible?…
Estudo recente mostrou que no Campeonato Brasileiro de 2017, as equipes com menos posse de bola estão conseguindo melhores resultados do que as que permanecem mais tempo com a posse de bola.
Acredito que muitas equipes/treinadores, sentindo-se pressionados para a conquista do resultado imediato, acabam induzidos a um jogo mais agudo e, portanto, mais rápido para se tentar chegar ao gol adversário. Muita correria! Muita trombada! Alternâncias ataque/defesa com bola lá e cá o tempo todo… Aos olhos do torcedor, essa alternância, ás vezes pode até parecer um bom jogo, movimentado… mas sob a análise tática, fica claro um afobamento e pouca paciência ou capacidade para o jogo de posse e de proposição/construção. Como há poucos talentos individuais, essa correria acaba muitas vezes se impondo e sendo decisiva. Pode ser também uma consequência do calendário sobrecarregado e longas viagens que impõe um nível quase crônico de fadiga: muitos jogos, pouco tempo para treinar e/ou se recuperar e então temos times que não conseguem jogar compactadamente (condição primordial para o jogo de posse de bola)… Vai então na ligação direta mesmo e seja o que Deus quiser!
Por outro lado, o jogo de posse demanda jogadores mais inteligentes e de boa técnica, que antecipam, tomam decisão antes da bola chegar aos seus pés, sendo assim mais perceptivos/inteligentes e fluidos, se desgastam menos. Os outros apenas reagem e, portanto, estão sempre tendo de correr atrás. A posse, teoricamente, obrigaria o adversário a ter que correr mais, mas também a sua equipe precisa estar com linhas mais compactadas, ou seja, na média, seus jogadores, por atuarem em bloco (atacando e defendendo) tendem a percorrer distâncias mais homogêneas independentemente da posição e também a executar menos sprints longos.
Antes de tudo fica a questão: Qual é o seu modelo de jogo? Ativo/propositivo/posse ou reativo/espera/contra-ataque? Quais as características dos jogadores que se tem à disposição no elenco? Times que possuam um ou dois jogadores com características de velocistas, tendem a um estilo de jogo mais agudo. Momento e placar do jogo também tem enorme influência.
Acrescentaria ainda mais algumas ponderações:
1) Quando se joga fora de casa, há uma tendência natural, instintiva até, de se resguardar mais, daí terem menos posse;
2) O modelo de propor o jogo e ter posse demanda treinamentos e mais treinamentos, pois envolve os conceitos de “Comunicação” (entrosamento), “Decisão” (tática/percepção/inteligência) e “Execução” (técnica);
3) No jogo de proposição é necessário também ter jogadores talentosos, que possam decidir em um lance ou numa enfiada de bola de qualidade, portanto, fica patente, para termos de comparação: Barcelona e Bayern de Munique, por exemplo, modelos supremos de posse de bola… não por acaso, repletos de… talentos excepcionais!!!
4) Assim sendo, posse de bola só dará certo com: Tempo para treinamentos e jogadores talentosos, inteligentes;
5) O jogo de posse bem executado implica em um time que joga com linhas próximas atacando e defendendo em bloco, o que demanda uma maior distância percorrida e em alta intensidade, por quê? Porque onde estiver a bola, é onde estará, invariavelmente, a alta intensidade do jogo e seus jogadores estarão sempre mais próximos de onde estiver a bola! Seus jogadores compreendem o jogo e acreditam nele. Fundamental ter um estado ótimo e permanente de condicionamento e ao mesmo tempo de não fadiga (fitness & freshness)… Na verdade um estado de condicionamento para o futebol (football fitness) dentro da complexidade: Comunicação + Decisão + Execução = Condicionamento;
6) Resumindo: O jogo agudo, reativo, de passes mais longos e em direção ao gol, quase “ligação direta” pode ser a única opção: Com times fadigados o jeito é esperar, é deixar o adversário ficar correndo, com posse e só ir cercando, fazendo os balanços defensivos para fechar os espaços. Quando conseguir roubar a bola é transição rápida pra tentar chegar logo ao gol adversário. É um modelo diferente de um Atlético de Madrid, por exemplo, que ao perder a bola exerce imediatamente uma marcação recuada extremamente intensa para roubar a bola rápido em seu próprio campo e fazer um rápida transição ofensiva, uma proposta intencional de seu excelente comandante, Diego Simeone .
As equipes que mais se destacaram no quesito posse de bola foram o Ajax e a Holanda de Rinus Michels, os recentes Barcelona e Bayern de Pep Guardiola e, no Brasil, tivemos, muito mais em função da técnica, o Cruzeiro de Tostão, a Seleção Brasileira de Telê Santana em 1982 e, mais recentemente, em função de muito treinamento, conscientização e ousadia para adotar este modelo de jogo, o surpreendente Audax de Fernando Diniz de 2016.
Tema muito interessante e com amplo campo para debates.
Saudações!
Share Now
Related Post
Desenvolvido por . Ceperf 2019. Todos os direitos reservados.
Escreva seu comentário