PREPARAÇÃO FÍSICA OU PREPARAÇÃO PARA SE JOGAR FUTEBOL?
A contínua evolução das Ciências do Esporte tem promovido mudanças bem acentuadas nas metodologias e conceitos adotados para o desenvolvimento de equipes de alto rendimento no esporte mundial nos últimos anos.
TREINAMENTO SISTÊMICO
O conceito do treinamento sistêmico se difundiu de forma relativamente rápida no esporte e trouxe, necessariamente, a reboque, uma nova concepção de preparação que, conforme o título deste artigo, não se traduz mais em apenas preparar fisicamente, mas sim em um preparar de modo global para a prática de determinada modalidade. O futebol, agora dominado pelo treinamento sistêmico, ou periodização tática, como queiram, disseminada pelos portugueses da Universidade do Porto, inevitavelmente teve que se render ao know-how de entidades de excelência como as norte-americanas EXOS e NSCA (National Strength and Conditioning Association), expoentes no que tange à performance física para o desporto moderno, mais notadamente no aspecto de força muscular.
TREINAMENTO FUNCIONAL E QUALIDADE DO MOVIMENTO
Trata-se, conceitualmente, de um treinamento funcional de força em especificidade que tem como objetivo principal contribuir para a melhoria do padrão de movimentos gerais e específicos da modalidade. Basicamente: o trabalho em cadeias musculares (englobando aí também a liberação miofascial como método regenerativo auxiliar) enfatizando o trabalho de força com foco na musculatura profunda, o chamado core, que além de melhora dos níveis de performance, pela já citada melhora da qualidade do movimento, atua também de modo preventivo na redução das lesões.
No futebol, um dos primeiros grandes times a difundir essa linha de trabalho foi a Seleção da Alemanha treinada por Jurgen Klinsmann no período de 2004 a 2006, culminando com a Copa do Mundo/2006, sediada por eles próprios. O treinador alemão havia então conhecido essa metodologia por morar na California à época. Quase uma heresia naquela ocasião, por se tratar da Alemanha, historicamente reconhecida pela sua excelência na área da preparação física do futebol.
Na temporada 2010/2011, trabalhamos com muita atenção a esse método no Al Ain Club dos Emirados Árabes, onde aplicamos as avaliações do protocolo FMS (Functional Movement Screen, ou Avaliação Funcional do Movimento) e o trabalho funcional com muito mais frequência, ênfase e assertividade. Como resultado, um índice muito baixo de lesões musculares.
Nomes como os de Gary Gray e David Tiberio (Instituto Gray) na seara de Movimentos Funcionais, além de Rob Gray na linha da Percepção e Ação também são dignos de menção em todas as áreas associadas ao movimento humano e com grandes contribuições ao esporte.
TREINAMENTO EM PEQUENOS JOGOS
Já na área do condicionamento cardio e de especificidade do jogo propriamente dito, o trabalho sistêmico através de simulação de situações de jogo, como o proporcionado pelos pequenos jogos em suas várias configurações, do 1×1 até o 11×11, e desde que aplicado em coerente progressão, além é claro, dos próprios jogos oficiais do calendário, já são mais do que suficientes para a aquisição e manutenção de níveis ótimos de performance neste quesito. Um controle mais rigoroso sobre a carga, principalmente em aspectos como corrida intensa e sprints, também se faz notar no presente cenário.
CAPACIDADE x DEMANDA
Some-se ainda a esse conjunto, a difusão de pesquisas brilhantes, como o conceito do equilíbrio entre Capacidade x Demanda + Complexidade e a plataforma PHAST (Physiotherapy Assessment Tool, desenvolvido pelos amigos Natália Bittencourt e Sérgio Fonseca, junto ainda com Luciana de Michelis, todos da UFMG), alicerçado em Big Data e temos aí a somatória de vários saberes constituindo um conhecimento nunca antes alcançado, e que, aplicados, se refletem praticamente em superatletas dentro de campo! Nunca se correu tanto e em tão grande intensidade nos gramados de futebol!
CONTROLE DE CARGA DE TREINAMENTO: PERIODIZAÇÃO DO FUTEBOL; CARGA AGUDA x CARGA CRÔNICA
O controle da carga de jogos e treinamentos também tem sido muito mais rigoroso e foi grandemente aperfeiçoado graças às modernas tecnologias de tracking hoje disponíveis. A difusão de pesquisas e publicações como as de Tim Gabbett: Carga Aguda x Carga Crônica e de Raymond Verheijen com sua genial Periodização do Futebol, ambos profissionais de referência mundial que o CEPERF já trouxe por diversas vezes ao país para ministrarem cursos, tem contribuído muito na busca pela manutenção de um estado ótimo de Freshness & Condicionamento dos elencos ao longo das temporadas, mesmo contra os inúmeros fatores externos sempre presentes na rotina dos clubes de futebol no Brasil e partindo-se do pressuposto de que o jogo é o momento de máxima intensidade dentro dos microciclos.
No gráfico acima, interessante notar o fator pandemia: 2020/2021 queda acentuada. 2022 aumento abrupto (carga aguda alta após um ano de baixa carga crônica?).
CONCLUSÃO
Treino sistêmico (Especificidade) + Força + Qualidade do movimento + Equilíbrio muscular = Funcionalidade + Controle de cargas = PERFORMANCE!
Como conclusão crítica, assevero que a qualidade técnica do futebol nacional atual, anda empobrecida se comparada com a extraordinária capacidade de performance física apresentada até mesmo por equipes pequenas: muita pegada, muita correria e muita trombada! Eu gostaria de ver muito mais do que apenas isto: queria ver equipes que priorizem o jogo ofensivo, técnico e vistoso (coragem e ousadia tática), algo como um resgate das raízes do nosso futebol, mas lógico, sem abrir mão dessa excelente condição para a performance em alto rendimento hoje alcançada!
Felizmente há luz no horizonte, com alguns clubes já priorizando um modelo de jogo com este DNA desde as suas categorias de base.
Saudações e um abençoado 2024 a todos!
Francisco Ferreira
Preparador Físico, Consultor de Performance e Gestor de Futebol
www.ceperf.com.br
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