⚽ FERNANDO DINIZ, UM PENSADOR FORA DA CAIXA

(foto: Foto: Juan Barreto/AFP via Getty Images)

FERNANDO DINIZ, UM PENSADOR FORA DA CAIXA

Participei na última 6ª feira (16/02), a convite do Prof. João Paulo Medina, de uma masterclass ministrada pelo grande Fernando Diniz.

Foi muito bacana, proveitosa e, como é do caráter do Diniz, muito sincera… eu diria, comovente até, a sua abordagem rasgando o coração! O Fernando tem aquilo que costumamos chamar de “Alma de Artista”, ou seja, é um inconformado com o sistema, com o status quo, com o “mais do mesmo” que domina o ambiente do futebol… exatamente por isso, sou um fã incondicional dele! Eu sinto esse mesmo inconformismo em relação à corrupção endêmica que domina não só o futebol, mas o estamento político e econômico do país como um todo, e… desde sempre!  

Suas colocações são muito pertinentes e revelam uma preocupação genuína com a pessoa por traz do atleta. O futebol só é futebol por causa do atleta! Neste sentido eu também tenho defendido, já faz alguns anos, uma gestão mais humanizada do futebol através da conquista de mentes e corações para os projetos dos clubes. Jogador não é máquina, antes, pessoa de carne e osso, sujeito às mesmas emoções, sejam boas ou ruins, que qualquer ser humano.

Aquele jovem que encara toda semana a pressão de um estádio lotado, que lhe exige performance irrepreensível, sem margem para erros, também sente medo, tristeza, frustrações, raiva… pode se sentir deprimido… e, na complexidade deste meio, envolvendo sua família, seu futuro, seu sucesso ou fracasso, muitas vezes ele é massacrado e largado à beira do caminho, pois o show, profundamente alicerçado em resultado esportivo imediato: vencer, ser campeão, ser convocado, ganhar e gerar dinheiro, ser perfeito em toda a sua conduta… não pode parar!

O jovem jogador brasileiro precisa de afeto e carinho! A maioria vem de um extrato social cuja realidade é a de um “mundo cão”, logo, se conseguir passar pelo impiedoso funil desde a captação e chegar a ser um profissional, pode ser também inversamente proporcional a facilidade com que este jovem venha a ver, de uma hora para outra, tudo ir por água abaixo.

Pensando especificamente em relação ao sucesso/fracasso dos jogadores brasileiros na Europa, por exemplo, eu me faço uma pergunta para a qual ainda não tenho resposta: Onde está a falha: no modelo europeu que não é capaz de dar esse carinho, ou no modelo brasileiro que não dá ao jovem um mínimo de preparo mental e emocional para chegar lá com foco e resiliência que lhe permita ser protagonista de uma história de superação?

A complexidade deste tema passa pelas questões sócio-econômicas e educacionais-ambientais que envolvem sua formação familiar: afetos, segurança, estrutura, valores, saúde, desenvolvimento, etc. Em última análise, tudo aquilo que um jovem criado na pobreza, em um lar desestruturado, provavelmente numa favela, dificilmente teria. E a realidade nua e crua é que, temos que admitir, a escolha entre uma coisa e outra (família ou clube), é quase que uma loteria. É um torcer para dar certo! Logicamente que um mundo ideal seria estar na segurança de um lar harmonioso, mas no mundo real, a família pode ser a própria fonte de tudo de ruim que se possa imaginar e assim, no clube, o menino pode pelo menos ter cama, comida, assistência médica, odontológica, psicológica, educação formal, etc. e uma oportunidade real de ascensão social caso venha a ser bem sucedido no processo. No futebol, penso que, tão gratificante quanto as vitórias e os títulos, são as histórias de superação de meninos que vieram do nada e se tornaram grandes jogadores. O inverso também é verdadeiro: a tristeza pelas histórias trágicas daqueles que poderiam ter sido grandes, mas se perderam pelo caminho!

Diniz nos contou o quanto ele precisa ser um “pai” para o Kennedy, dia após dia! Se um Kennedy não vingar como atleta, o sistema mesmo tratará de descartá-lo naturalmente. Sim, o futebol, e o esporte como um todo, poderiam ajudar a mudar o país! Me parece que há um movimento para levar ao governo federal um plano plurianual de desenvolvimento e geração de oportunidades através do esporte. Torço para que dê certo e que não seja usado de modo politicamente torpe, como é praxe no país.      

Eu já critiquei treinadores que só decidiam o que iriam treinar na beira do campo. Isso sempre me pareceu uma falta de profissionalismo, falta de se preparar, de se planejar. Uma certa cultura soberba da malandragem ou do improviso da parte de alguns treinadores. Mas me chamou a atenção uma abordagem do Diniz por um outro ângulo que eu nunca tinha antes vislumbrado: Feeling, sentimento, intuição, buscar algo que possa fazer a diferença naquele dia específico de treinamento… uma espécie de “como tocar o meu atleta hoje”? Como mexer com ele de modo que cresçam como atletas, como time, mas também como pessoas? GOSTEI!!! E vai na mesma linha do pensamento “Ser, é melhor do que ter”! Será que não poderíamos até pedir uma licença poética para dizer: “viver/experimentar/sentir é melhor que um vencer por vencer”?  

Quando o Diniz fala em qualidade, estilo e essência; criatividade e ginga; em ser criança, ser espontâneo, como sinônimo de ser feliz, também concordo plenamente! Vejo o modelo desenvolvido desde a base pelo Athletico e agora copiado no Cruzeiro: os chamados conceitos “inegociáveis” do futebol do clube: jogar se divertindo, tendo prazer, ousar, tentar o drible e a jogada de efeito, ser criança, não se tolher em tentar fazer algo diferente. Uma cultura de rebeldia que pode levar a um resgate das raízes históricas do futebol brasileiro! É coisa pra se aplaudir de pé! Sim! Acredito que dá pra conciliar ESSÊNCIA com RESULTADO!

No entanto, não consigo muitas vezes enxergar uma transformação desse futebol brasileiro arraigado em espíritos e estruturas tão corrompidas… soa como uma mera utopia nesta engrenagem tão poderosa e tão cruel. Pra mudar, não vai ser de fora pra dentro. Creio que só se for de dentro pra fora e em um longo percurso.

Assim como o Diniz, eu também continuo lutando e sonhando que um dia as coisas possam mudar. Continuo tentando ser eu mesmo, tentando ser bom e honesto para com todos, tentando ser genuíno, mesmo me ferrando e pagando um alto preço por ser assim, mas não tenho mais o mesmo ânimo de alguns anos atrás. E os revezes são constantes, como por exemplo, a recente demissão do próprio Diniz da seleção brasileira. Penso que perdemos ali uma oportunidade de ouro para tentar algo diferente e libertador, mas acabou que simplesmente voltamos ao “mais do mesmo”: a nefasta esfera política, onipresente e onipotente, em busca apenas dos seus interesses de poder e dinheiro.   

Saudações!

 

Francisco Ferreira

Gestor e Executivo de Futebol – ABEX

www.ceperf.com.br

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