FUTEBOL: INTUIÇÃO, LUDICIDADE, FELICIDADE…
Dando continuidade a um tema que me chama muito a atenção no futebol, que é a proposta por uma gestão mais humanizada, me penitencio por ter, nos últimos anos, sido muito enfático contra a “intuição” no meio do futebol. Admito que as experiências ruins com alguns treinadores mau preparados e/ou enganadores, me levaram a essa postura. Tive ainda a influência dos conceitos e valores defendidos pelo genial Raymond Verheijen, que empreende uma verdadeira cruzada contra o achismo, as subjetividades e experiências pessoais da parte de muitos treinadores mundo afora. Em suma, o Verheijen defende que os “jogadores merecem treinadores melhores”, e que é absolutamente necessário elevar o nível dos mesmos. Ainda: que os treinamentos devem ser embasados em referências objetivas… acho que ele está mais do que certo nisso! Pelo menos no que diz respeito à estruturação científica dos treinamentos: conteúdos, progressões, cargas, etc. Afinal, foi nesta área que vi alguns dos maiores absurdos e fraudes na minha carreira no futebol! Treinadores apenas bons de gogó, que se escoravam na malandragem, no marketing, ou na compra de elogios da parte de alguns jornalistas.
Contrapondo um pouco seu próprio cartesianismo, o Verheijen, em um dos debates que se estendeu até às 2:00h da madrugada, proporcionou um momento marcante em que percebemos a construção de um novo conhecimento! Ser bom e honesto é componente essencial na formação e nas conquistas de um grande talento. Na ocasião, era a performance de Lionel Messi o tema do debate e ali ficou implícito que ninguém chega a ser o melhor do mundo se for um “filho da puta”!
Há um lado “humano” que não pode ser desprezado: o da intuição e percepção, que no meu entender, trata-se de uma verdadeira “sabedoria”: o dom de saber ler nas entrelinhas da vida, de conseguir enxergar além do senso comum. Assim, penso que a INTUIÇÃO pode ser uma aliada da CAPACITAÇÃO FORMAL e científica! Alguns ícones da intuição no futebol, aqueles que são INCONSCIENTEMENTE COMPETENTES: Telê Santana, Marcelo Bielsa, Ênio Andrade, Pep Guardiola, Fernando Diniz… acabam por se revelar como homens que se confundem com o próprio futebol em sua essência. Genialidades na percepção e leitura do futebol. Experts que fazem acontecer sem esforço, sem se darem conta, pois flui de modo natural, orgânico… um automatismo no sentido de domínio, de grande habilidade ou quase perfeição na execução de seus trabalhos. Em comum, antes de qualquer outra coisa, estes treinadores são/eram BOAS pessoas! Pessoas HONESTAS!
Quando cursei a Licença A da CBF, me deu um sentimento misto de esperança e de tristeza ao mesmo tempo. A esperança por ver que alguma coisa estava sendo feita no sentido de se melhorar a capacitação técnica dos nossos treinadores. Tristeza por ver que alguns dos colegas ainda se achavam muito “especiais”, batendo arrogantemente no peito em referência às nossas cinco conquistas mundiais – detalhe: tínhamos acabado de tomar de 7 da Alemanha! – e mais: soube de um treinador que mandou seus trabalhos teóricos para serem feitos pelo fisiologista de sua comissão técnica (típico de seu caráter malandrão!) – detalhe 2: ele hoje é instrutor da CBF Academy! – É mole?! Por isso que sempre repito que o futebol brasileiro é esquizofrênico!
Bem, nas minhas experiências de trabalho, um dos profissionais mais intuitivos com quem já trabalhei foi o amigo Antônio Mello! Ele conseguia perceber quando um jogador estava para se lesionar, conseguia perceber o ambiente, e conseguia promover uma atmosfera sempre descontraída através de muitas piadas e muitas brincadeiras lúdicas nos aquecimentos para os treinamentos.
Por coincidência, eu também sempre defendi aquelas atividades lúdicas que remetam às melhores memórias afetivas de uma infância alegre e saudável. Como diz o Diniz, Jogar/Brincar = Felicidade = Espontaneidade = Essência = Ser criança = Ser honesto = Ser você mesmo! No meu livro (O Futebol Não Pode Ser Assim Mesmo!), cito as nossas peladas com os amigos de infância, nos anos 70/80, no sítio do Carrapatal, que eram disputadas como se fossem uma final de Copa do Mundo! Aquilo era a mais pura felicidade para nós! Momentos em que sentíamos o pulsar da vida em toda plenitude! Às vezes nossos pais também participavam e percebíamos em todos a mais pura alegria de estarmos ali. Nada mais importava!
Nas oportunidades em que trabalhei como professor/treinador ou preparador físico principal (Atlético, Muharraq, Izabela Hendrix, Minas Tênis, Al Ain…), sempre usei de atividades lúdicas, principalmente nos aquecimentos, como forma de promover um ambiente de alegria. Me lembro de um consultor de performance que tínhamos no Al Ain, o britânico Kevin Gillis, já mais idoso e que tinha grande experiência militar, achando que tudo aquilo era pura perda de tempo… cultura europeia…
Abaixo enumero algumas atividades que a tocante aula do Fernando Diniz, no tema específico de como inspirar, motivar, comover seus atletas, regataram em minha memória:
-Infância: Promova uma pelada entre os jogadores nos moldes daquelas que eles jogavam quando crianças: Par ou ímpar para escolher os times; todos descalços e sem camisa; traves marcadas com algum objeto (chinelo, tijolo…); revezamento no gol; quem isolar a bola, vai buscar; se possível com uma bola “Dente de Leite” furada… enfim, todas as “regras” informais daquela época; Promova jogos de “Queimada”, “Rouba-bandeira”, “Polícia-ladrão”, “Mãe-da-rua”…
Marque, de surpresa, uma apresentação do elenco para o treino do dia seguinte na praia. Estimule os jogadores a levarem a família. Deixe que os próprios jogadores se dividam em 4 times e faça um torneio entre eles: time com camisa x sem camisa, gols demarcados com chinelos, sem aquecimento, sem material… apenas se divertirem. Espairecer, curtir o mar, o sol, os amigos e famílias… se quiserem, depois eles mesmos fazem um pagode, deixe rolar uma cervejinha, de leve… delegue responsabilidades… construa confiança mútua!
-Ousadia: Desde a base, promova, se possível em cada treinamento, momentos exclusivos para os jogadores praticarem o drible, a jogada de efeito… 10 a 15 minutos por dia!
-Afetos: Promova num sábado, uma pelada com os jogadores e seus filhos, ou pais, ou irmãos…; ou, um jogo de futebol de casais, em que os jogadores jogam em duplas com as esposas, ou namoradas, sempre de mãos dadas (não pode soltar as mãos, é a principal regra); ou um jogo somente entre as esposas/namoradas/irmãs… enfim, uma mulher importante na vida do atleta; um jogo em que cada atleta leve um amigo do peito, ou um amigo de infância, primo, vizinho…
-Social: Promova uma pelada misturando atletas e comissão técnica; atletas e imprensa, etc.; uma pelada com times misturados com meninos de rua / crianças carentes (depois um almoço juntos e presentes como camisas do time, ida ao estádio para assistir ao jogo. etc.);
-Cognitivo: Promova um jogo com moleques da base, de preferência das categorias mais jovens, em que cada moleque vai ter um dos jogadores profissionais como seu instrutor pessoal; promova jogos com regras como: só pode usar perna dominante, depois muda para só a perna não dominante; ou só poder marcar gol depois de darem 3 canetas, ou 3 chapéus, ou 3 elásticos, por exemplo…
-Emocional: Promova apresentações de histórias de superação; promova visitas a um orfanato, a entidades de assistência social levando donativos…
-Espiritual: Incentive os jogadores a fazerem sempre uma oração juntos antes de iniciar cada dia de trabalho. Agradeçam a Deus pela vida, pela saúde, pela benção da oportunidade de estarem ali fazendo algo tão prazeroso como o jogar futebol;
Acima de tudo, seja bom, honesto, autêntico… dê sempre a cara a tapa, blinde seu elenco, conquiste a confiança dos seus atletas inclusive (ou principalmente) nos momentos de fraqueza, tipo: “Errei, peço o perdão e a ajuda de vocês pra gente tentarmos corrigir esse erro”! Humildade para ser um exemplo aos seus atletas no sentido de fazê-los perceber que estamos todos sempre aprendendo!
Na conquista das mentes e corações para abraçarem os projetos do clube, penso que a instituição que demonstrar uma preocupação real e genuína, para com a família do atleta, vai conquistar não só um funcionário que literalmente, sem trocadilhos, “veste a camisa”, mas também um torcedor pelo resto da vida. Psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, médicos… enfim, uma equipe multidisciplinar que socorra os familiares nas dificuldades cotidianas. Neste sentido, penso que um profissional especialista em Educação Financeira e planejamento de carreira, também seria muito útil na orientação aos jogadores e familiares.
Uma das iniciativas mais comoventes que já presenciei no sentido de tocar o coração dos atletas, foi em 2008 ou 2009, quando a então psicóloga do Cruzeiro, Adriany Gomes, uma cristã muito séria, levou um grupo de crianças vítimas de abuso sexual e que estavam acolhidas em uma casa de amparo, para uma visita à Toca da Raposa. Ao final da visita, as crianças cantaram uma música no auditório para os jogadores… eu não me segurei e chorei muito, pois eram visíveis as marcas de tamanho trauma em seus rostos! A Adriany fez também um trabalho espetacular junto às esposas dos jogadores naquela época, unindo-as através de reuniões entre elas em que eram estimuladas a se abrirem expondo suas dificuldades.
Um bom parâmetro, mas não o único, para se detectar um jogador de cabeça boa é observar o que ele faz quando começa a ganhar dinheiro. Se a primeira coisa for comprar um carrão… luz amarela acesa! Se for comprar uma casa para a mãe… bom sinal! Neste sentido, muito bacana ver a história do ex-volante Amaral, o típico jogador de origem humilde, com baixa instrução, um cara folclórico e superengraçado (hilária a sua resenha sobre o “Apartheid”!), mas que não fez bobagem botando tudo fora como acontece com tantos outros no mundo da bola.
Saudações! ⚽
Francisco Ferreira
Gestor e Executivo de Futebol
www.ceperf.com.br
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