UMA GESTÃO MAIS HUMANIZADA DO FUTEBOL
Acho que desde o meu primeiro trabalho no futebol, em 1989, no Sub-14 do Atlético-MG, eu já conseguia enxergar neste meio um paradoxo que variava do glamour e êxtase pelas conquistas, ou do assédio aos grandes craques, até à mais vil corrupção, com situações de violência, abuso, exploração, mentiras… enfim, a miséria humana, nua e crua.
Sempre me doeu ver algum jogador de base, com potencial, jogar tudo fora por conta do ambiente cruel e da falta de estrutura emocional, ou por alguma lesão grave, ou muitas vezes por conta da falta de apoio e atenção dos clubes. Garotos vindos de um “mundo-cão”, com famílias desestruturadas, ou ausentes, criados nas favelas em meio à violência do tráfico, com baixa escolaridade e que, no futebol, vislumbravam uma oportunidade única para mudança de vida… às vezes como âncora ou fio de esperança de dezenas de pessoas da família, numa pressão absurda… e de uma hora para outra, o sonho indo por água abaixo…
Sempre enxerguei também que atleta não é máquina. Antes, ser humano, com todas as suas complexidades e sujeito às mesmas dificuldades que eu e você, leitor. Atleta pode sim, ter depressão, medo, ansiedade, pode se apaixonar, pode ter seu dia ruim, adoecer, ficar sem energia, sem força para reagir a uma situação difícil. Mais: ao contrário do que vende o marketing esportivo, esporte de alto rendimento nunca foi e nunca será sinônimo de saúde! Nem física, nem mental! Mas o ambiente extremamente competitivo e massacrante não permite essas conceções. Incluo neste pacote também os treinadores, colocados à prova a cada rodada, porém sabedores que todo o stress já está embutido no salário… exatamente por isso, defendo que treinador tem mais é que ganhar bem mesmo!
Gosto demais das entrevistas do Fernando Diniz, pessoa que percebi ser diferenciada desde quando trabalhamos no Cruzeiro em 2004. Sempre em busca de conhecimento, leitor voraz, enfim… alguém que, como eu, nunca se conformou com a mediocridade do “mais do mesmo” que predomina no futebol. Os inovadores são raros dentro deste ambiente impregnado de uma “cultura das desculpas” (basta ver as entrevistas dos treinadores após uma derrota), e de uma cultura das subjetividades e opiniões/experiências pessoais, onde as referências objetivas e/ou cientificamente embasadas são vistas com receio e causam até mesmo medo em vários de seus profissionais.
Diniz consegue enxergar e valorizar a questão humana dentro do futebol. Assim como também, do ponto de vista tático e de modelo de jogo, consegue ter a coragem para propor algo fora dos padrões… levou tempo desde o excepcional trabalho realizado no Audax, até que viesse novamente a colher resultados expressivos, agora neste seu excelente Fluminense. Uma questão de maturação de projeto que só se consegue respeitando um dos mais importantes princípios do treinamento esportivo, que é o “princípio da continuidade”. Mérito da diretoria tricolor e de seu executivo de futebol, Paulo Angioni, passando por cima, mesmo com toda a pressão externa, dessa cultura burra do resultado imediato.
Eu entendo que uma gestão de excelência e mais humanizada do futebol, fundamentada em ciências do esporte, é o caminho mais provável para o êxito no alcance de um ciclo virtuoso. Acredito também que o clube que conseguir vislumbrar que o investimento efetivo no homem/atleta, abordando todas as esferas de sua vida (atlética, pessoal, emocional, familiar, financeira, escolar…) estará mais perto de conquistar mentes e corações para o seu projeto esportivo, ou seja, terá entre seus colaboradores, não apenas um empregado, mas alguém que realmente (sem trocadilho) “veste a camisa” e se orgulha de se sentir parte de algo honesto e grandioso. Assistentes sociais, coachs e psicólogos do esporte já tem alguma entrada em alguns clubes, mas acredito que poderiam ser muito mais efetivos e melhor aproveitados neste sentido.
Acredito que projetos como o deste Fluminense/Diniz, ou do Cruzeiro SAF de Ronaldo, tem possibilidades reais de deixar um legado de inteligência e assertividade para o futebol brasileiro como um todo. Vejo o do Flu (não conheço as minúcias do resto de sua gestão) como um projeto de gestão de excelência do futebol, e o do Cruzeiro idem, mas acrescentando também a excelência na gestão financeira e de RH… Sim, quem me acompanha sabe que defendo já há um bom tempo, este modelo de gestão, que é também o meu sonho de consumo, e que se traduz em fazer bonito mesmo com menos recursos financeiros, no caso do Cruzeiro, por absoluta necessidade, mas que, no meu entender, tem tudo para virar case mundial. Algo bem diferente do que se abrir o cofre, ou gastar o que tem e o que não tem, para montar times com elencos consagrados em busca do resultado imediato, pois assim, é até fácil, basicamente, bastaria contratar grandes nomes e cuidar da gestão do vestiário! Um modelo que definitivamente não me seduz!
Repetindo, repetindo, repetindo… quase desenhando!, algo que já publiquei várias vezes… até que os dirigentes aprendam, até gravarmos em pedra, até que se torne automático, até que você se torne “inconscientemente competente” no que faz… aquilo que chamamos de didaquê:
👉🏻A TRÍADE VIRTUOSA DE UMA GESTÃO DE EXCELÊNCIA NO FUTEBOL:
Três vertentes, ou PILARES, que estão intimamente interligados e/ou sobrepostos.
RH: Investimento efetivo e prioritário em Análise de Mercado; Pesquisa, análises e entrevistas minuciosas e exaustivas de candidatos com perfil de acordo com os valores do clube (os “inegociáveis”); Organograma Matricial, que valoriza as pessoas e incentiva a participação de todos os colaboradores [Matriz LDP: Estabelece claramente quem lidera, quem decide e quem participa… (no caso, TODOS participam!)] inibindo a chamada “agenda oculta”, uma cultura que impregna quase todos os clubes, pois todos se julgam entendedores de futebol e acabam promovendo as intrigas, picuinhas e rivalidades entre os diversos departamentos do clube…
FINANCEIRA: Enxugamento da máquina buscando economia com eficiência; Saneamento financeiro atacando os ralos de desperdício e vislumbrando também a maximização de receitas; Austeridade cumprindo o básico de gestão que significa “não gastar mais do que arrecada”; Se tornar um bom pagador, honrando compromissos e construindo assim uma imagem de Credibilidade, se tornando um parceiro atraente aos olhos de todos os seus stakeholders…
TÉCNICA (FUTEBOL): Projeto consistente e exequível, respeitando prazos, etapas, metas e os princípios dos métodos e processos do treinamento esportivo; Respeitar e valorizar os princípios, visão e valores do clube, seu DNA, sua marca, sua escola, seu modelo de se jogar futebol; Projeto alicerçado em Ciências do Esporte, em Departamento Científico principalmente na formação de jogadores desde a base; Firmeza de propósitos para suportar as pressões por resultados imediatos… 👈🏻
Sim, é trabalhoso, mas os conceitos são simples! O Ciclo Virtuoso, mais cedo ou mais tarde, há de se consolidar!
SCORES DA GESTÃO
Francisco Ferreira
Gestor de Futebol
Share Now
Related Post
Desenvolvido por . Ceperf 2019. Todos os direitos reservados.
Escreva seu comentário