⚽ POR UM FUTEBOL DE QUALIDADE

 

POR UM FUTEBOL DE QUALIDADE

Passados estes jogos das semifinais da Champions League 21/22, fica ainda mais reforçada a sensação de que se trata mesmo de um outro esporte quando comparado com o futebol brasileiro. Acredito que toda essa diferença pode ser resumida em uma única palavra: Qualidade!

Como quase tudo na vida, existe uma seleção natural que acaba destacando os poderosos. Neste caso, os grandes clubes europeus, hegemônicos há pelo menos duas décadas! Esta hegemonia se deu exatamente na medida em que o futebol europeu realmente se profissionalizou e entendeu o futebol como um grande produto, na verdade, como a maior indústria do entretenimento mundial.

Todo um processo de construção do que chamamos de ciclo virtuoso se desenvolveu de modo quase natural e onde uma condição leva à outra sucessivamente: Profissionalização da gestão; melhor formação dos treinadores e comissões técnicas; padronização e racionalização das ligas, regulamentos e seus calendários; consequentemente, gerando um ambiente de segurança jurídica e credibilidade que atraiu novos parceiros e investidores fazendo com que a indústria crescesse como um todo e, finalmente, uma preocupação inteligente com o espetáculo em si, que é o que atrai e cativa o público consumidor: Os clubes ganham mais dinheiro, podem então contratar os melhores jogadores e treinadores, podem investir em estádios confortáveis e bons gramados, em bons CTs; as federações zelam por calendários que preservem a integridade e recuperação física dos atletas; as mídias investem na melhoria da qualidade das transmissões… dentre tantos outros incrementos simultâneos.

Resultado: Jogos de alta qualidade técnica em um ambiente que contagia a todos os stakeholders: Os jogadores entram preocupados em jogar o seu melhor futebol, os árbitros (profissionalizados) deixam o jogo fluir, os times jogam para frente em busca do gol, as alterações de placar são mais constantes, o jogo é rápido e de acordo com as mais modernas metodologias de treinamento desenvolvidas pelos estudiosos das ciências do esporte nas universidades… Para se ter uma ideia, a formação de treinadores em Portugal, um país com população de 9 milhões de habitantes, é quase equivalente a um mestrado e isto vale desde o futebol amador, categorias de base até o profissional.

Um contraste grande com o que vemos aqui onde, apesar dos esforços da FIFA, com a exigência às suas confederações continentais e nacionais para implantação dos cursos de capacitação para obtenção de licença, ainda temos enormes deficiências na formação educacional como um todo, pois são muitos os ex-atletas que encerram suas carreiras e, semianalfabetos, ingressam nos cursos da CBF Academy e de lá saem sem um mínimo de aprendizado. Quando fiz a minha Licença A, em 2016, pude constatar isso in loco: Ex-jogadores, com raras exceções, que dormiam durantes aulas, ou que grudavam nos acadêmicos na hora dos trabalhos teóricos em grupo, ou treinadores que enviavam os trabalhos teóricos individuais para que membros de suas comissões técnicas os fizessem por eles. Até se saíam bem nos trabalhos práticos – em boa parte como meros repetidores dos treinamentos a que foram submetidos enquanto atletas ou, apenas copiadores do que viram algum treinador aplicar, mas sem saber exatamente o que um determinado treinamento demanda, ou objetiva em termos práticos e o porque. 

De qualquer forma, já é melhor do que nada, mas o caminho ainda é longo, pois ainda predomina por aqui uma certa cultura da malandragem, do jeitinho, da boleiragem! E assim ainda temos que ouvir um Renato Gaúcho, com sua arrogância peculiar, dizer que quem não jogou tem mais é que estudar mesmo e que ele não iria perder suas férias para fazer o curso da CBF. 

Meu amigo e ex-professor, Pablo Juan Greco, da UFMG, já tentou convencer os poderosos do esporte a financiarem a implantação de cursos de formação de treinadores de melhor qualidade, mas os interesses divergentes são muitos e a toda poderosa esfera política ainda dá as cartas. Não por acaso, a educação física e o esporte escolar praticamente desapareceram! Só pra relembrar: são vários os dirigentes de federações denunciados e processados por corrupção, mas pouquíssimo os que estão presos e acho que nenhum deles até hoje devolveu recursos desviados. Mais: até o catastrófico governo Dilma, ministro do esporte, era gente com o currículo de um Orlando Silva, ou George Hilton, este último, um pastor da Igreja Universal. Meras indicações políticas que pudessem dar seguimento ao fluxo de propinas e coisas do tipo.

Essa cultura ibérica dos privilégios herdada de nossos colonizadores é a mãe da impunidade e avó da corrupção que grassa como um tumor crônico em nossa injusta e desigual sociedade, desde a república, dominada e explorada pelas oligarquias parasitas do poder… “os amigos do rei”, os adeptos do “sabe com quem você está falando?” que nos tempos atuais mostram suas caras de modo mais descarado do que em qualquer outra época de nossa história!

Por aqui, há ainda o agravante dessa impunidade que, em última instância promove a violência. Leis lenientes, falta de vontade política, permissividade, etc. O rico & poderoso pode roubar que não será punido, pois o STF dá um jeito de soltar. O pobre pode matar, pois não há um política pública efetiva de combate à violência. Torcidas organizadas, muitas delas verdadeiras facções criminosas, invadem aeroportos e CTs, ameaçando ou até agredindo fisicamente treinadores e jogadores. Estes por sua vez, jogam com medo! Rifam a bola que parece queimar em seus pés, ainda mais se o time estiver em fase ruim e/ou sob risco de rebaixamento!

Pra piorar, as dimensões continentais do país fazem com que um time tenha que, por exemplo, jogar em um domingo em Porto Alegre, a dez graus no inverno, e na quarta feira já estar entrando em campo em Belém, num calor de trinta e tantos graus, após uma viagem com até três escalas e seus malditos “chás de aeroporto”, tornando impossível uma mínima recuperação fisiológica de seus jogadores.

As arbitragens são um desastre! Falta profissionalização, padronização e coragem. Muitos usam o artifício do VAR como muleta para se eximirem de responsabilidades. A corriqueira cena do jogador que cerca uma bola de costas para o adversário à espera de que este apenas encoste nele para então se jogar ao chão é simplesmente patética e parece ser algo até ensaiado e combinado entre os três atores envolvidos, pois os árbitros invariavelmente apitam essa “falta”! Na real?! A falta é de vergonha! Então… este jogo mais lento, cadenciado e cheio dessas “faltinhas” nojentas acaba sendo fruto de todos estes fatores discorridos ao longo deste texto!

O Brasil não produz Prêmios Nobel, assim como não produz treinadores de futebol que tenham realmente criado algo novo e revolucionário como um Rinus Michels, um Bielsa, um Pep Guardiola, um Jurgen Klopp… o mais perto que já tivemos foi um intuitivo, empírico, perfeccionista e apaixonado Telê Santana. Por esta razão, sou um ferrenho defensor da vinda de estrangeiros como Jorge Jesus, Abel Ferreira e Paulo Pezzolano, por exemplo, mas desde que deixem por aqui algum legado. Não é por acaso o sucesso destes treinadores quando aqui chegam. Com uma bagagem tática e metodológica mais avançada, eles acabam fazendo a diferença nos confrontos com os treinadores locais mais afeitos à cultura do vestiário, da intuição, do lado motivacional (não que isto não tenha o seu valor!) e ainda contagiados pela cultura da ameaça das “três derrotas seguidas = rua”! Um ciclo vicioso difícil de se romper! 

Saudações!

Francisco Ferreira

Executivo de Futebol  

www.ceperf.com.br  

  

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